quinta-feira, 13 de março de 2008

SOBRE PRETA GIL

Volta e meia o noticiário do mundo das celebridades traz alguma saia justa envolvendo os artistas. Seja uma pulada de cerca daqui, um barraco em família dali, uma cruzada de pernas sem a danada da calcinha e ... já era! Um prato cheio para as famintas revistas femininas e para os programas de fofocas. O caso acaba ganhando dimensão em todos os ângulos, versões, possibilidades de interpretação, com até direito a atualizações diárias. Nos últimos tempos a bola da vez parece mesmo ser a cantora-atriz Preta Gil. Quando lançou seu cd "Prêt-à-Porter" em 2003 a filha do ministro chamou mais atenção por ter aparecido nua no encarte do que pelo bom repertório de seu álbum. Vale lembrar que vários artistas já exibiram em capas de discos pelo mundo afora fotos sensuais, exóticas, provocantes, e no final das contas era apenas a embalagem de um produto. Contudo, no país tropical das belas mulatas, Preta acabou se tornando vítima dos deboches e da intolerância da mídia através de exaustivas especulações em forma de enquetes e reportagens especiais sobre o suposto direito de mulheres ditas "imperfeitas", pelos padrões de consumo, poderem exibir seus corpos. Quem não lembra dos repórteres nas ruas perguntando: "o que você achou da Preta Gil ter aparecido nua no encarte do cd?" ... como se coubesse à mídia decidir se a atitude da cantora foi certa ou errada. Mas como tudo parece acontecer no país do samba, Preta acabou cedendo e resolveu aderir às lipos e ao silicone. Depois voltou atrás e novamente assumiu as formas rechonchudas. E como a mídia não perdoa, alguns episódios mais recentes têm comprovado o quanto os meios de comunicação se "comportam" diante de algumas temáticas. Depois de ter sido debochada pela equipe do Pânico na TV após levar um "caldo" numa praia carioca e de ter sido definida como "atriz gorda" no site de busca Google, a cantora resolveu processar este último alegando se sentir ofendida e rotulada. Há dois anos , quando saiu como madrinha de bateria na Mangueira acabou sendo vítima de preconceitos, através das polêmicas criadas pelos próprios jornalistas na cobertura do desfile quando a diferenciavam, de forma sutil, em relação às demais madrinhas. É sempre aquela história :" A Preta vem mostrando a diversidade no sambódromo", "a beleza exótica da Preta na passarela", "apesar de não ter as formas das outras ... ela vem fazendo bonito" e todo aquele velho blá blá blá, que só serve para mascarar o preconceito estigmatizador dos profissionais de comunicação no Brasil no que diz respeito à diversidade. A discriminação contra a Preta, na verdade, é apenas um recorte da exclusão diária que milhões de mulheres consideradas acima do peso vivenciam no Brasil. Além de excluídas pelas revistas de beleza, pelos eventos de moda, a identidade da mulher nacional vai sendo cada vez mais substituída pelas formas criadas nas clínicas de estética americanas e européias, que não retratam a real mulher brasileira. Além disso, tantas outros estigmas como ser negra(e carregar no próprio nome a marca dessa desigualdade), ser nordestina, ser bissexual conferem à Preta a condição de estar constantemente na berlinda de uma mídia que persegue, que rotula, que exclui.
O protesto permanente da Preta contra a postura paleolítica da mídia é o protesto de todos que carregam de alguma forma o estigma de pertencer à diversidade, num país onde os comunicadores não recebem formação nas faculdades para lidar com o plural, com a amplitude do outro, com a ética, com o respeito, e como formadores de opinião só reproduzem os atrasos e as mazelas ideológicas sem a capacidade de questioná-los na prática profissional diária. Que apareçam outras 'Pretas' por aí afora para que possamos lembrar do nosso exercício constante de questionar as imposições e as pré-definições diárias.