segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Olha a Faca!

Em tempos de patológica falta de criatividade, tornou-se rotineiro recorrer a clichês e jargões para quase tudo. Mais que isso, criações repetitivas e preconceituosas têm alimentado a nossa cultura vazia e inútil. Prova disso é o indigesto "Olha a faca", do "humorístico" Zorra Total, que já ocupa espaço em animações de computador e até mesmo faixa especial em cd de funk. O inofensivo bordão revela o atraso de seus idealizadores quando o assunto é representar publicamente o homossexual e, respectivamente, supostas atribuições de comportamento.
Só nos últimos anos, os Perus, Patricks, Pitbichas e tantos outros serviram para reforçar o estigma de gay promíscuo, invejoso, barraqueiro e afeminado. Ah: sem contar a mimosa e delicada preferência pela cor rosa. Estes rótulos orientam a construção de uma cultura opressora e punitiva, na qual o gay é reduzido a categorias e concebido a partir de características pré-definidas.
O que teria de errado em usar a temática homo para essas ingênuas brincadeiras? Seria falta de senso de humor levar tão a sério essas piadinhas e chacotas? Não precisaria esmiuçar teorias lingüísticas que afirmam que a linguagem revela a ideologia do indivíduo, basta considerarmos o número alarmante de homossexuais que são agredidos e assassinados diariamente, vítimas da ação de intolerância de homofóbicos raivosos. Os brutais casos de homofobia são realizados através do uso de armas de fogo e até mesmo por "facas" e outros objetos cortantes.
A difusão dessas piadas além de propiciar a permissividade no que diz respeito à agressão física, verbal, moral contra gays contribuem para surrupiar e mascarar os direitos, avanços e conquistas alcançados pelos homossexuais. Para setores mais inseguros e desinformados é ameaçador reconhecer a garra, o engajamento, a liderança, a alegria e a criatividade que os gays externam seja no trabalho, na escola, na família, no campo das artes, das ciências. Por isso o porquê de enquadrar os gays em caricaturas que impeçam uma clara percepção da amplitude e da mobilidade de uma classe que tem cada vez mais mostrado que não quer ser definida com a truculência e o ódio da faca que fere, que sangra, que mata e que limita as possiblidades de ampliar as concepções sobre o mundo e sobre nós mesmos.

domingo, 25 de novembro de 2007

ENTÃO É NATAL ...


Antes mesmo de chegar o mês de dezembro as cidades já se enfeitam com motivos natalinos. As lojas tentam enfiar todos os eletrodomésticos, roupas e comidas para a casa do consumidor, tudo sob o mesmo slogan: “você não pode passar o NATAL sem COMPRAR...”
As compras de fim de ano adquiriram um tom de libertação, de pureza, de mudança, de desligamento com o ano que se acaba. E é nessa concepção que o comércio aproveita para empurrar todas as bugingangas ao cliente como se fossem prioridades básicas para se chegar ao estado de nirvana. Ah, tudo embalado ao som comovente da cantora Simone: ‘Então é Natal” .
Lembro quando a professora do primário nos dizia que o NATAL era a época de reflexão sobre o que fizemos de bom e de ruim durante o ano, essas coisas. Sempre achei meio deprimente e quase angustiante o ‘ar’ de confissão que se instaurava entre o indivíduo e sua consciência nessa época do ano. Todo mundo parecia mais compreensivo, mais solidário, mais tolerante. Talvez fosse o medo dessa passagem do ano para uma etapa ‘desconhecida’ que se descortinava. No final de tudo sempre achávamos ter feito algo errado durante o ano e que era necessário nos redimir como o mundo.
Mas agora, caro cliente ... seus problemas acabaram!!
Vá até o centro de compras mais próximo e liberte-se dessa culpa apavorante que o natal causa. Compre, mas compre com vontade! Gaste tudo que tiver (e até o que não tiver). O que importa é que no término você perceberá que ocupou seu tempo com assuntos importantíssimos como a promoção da loja ao lado ou os descontos relâmpagos das Casas Bahia. Quanto às reflexões sobre seus erros... próximo ano você pensa nisso! Boas compras!

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

"Coisas de mulher"

Em uma dessas manhãs agitadas no centro do Recife, onde as ruas estão cada vez mais tomadas pelos vendedores de cd’s, não consegui deixar de prestar atenção em pelo menos duas músicas que urravam daquelas barracas dos ambulantes. A primeira versava sobre uma explosão em um ‘cabaré ‘ na qual voaram mulheres para todos os lados. Em seguida uma outra se limitava a gemidos e gritinhos sexuais de uma mulher que no máximo o que conseguia dizer era “ai, ai, ai tá gostoso”.
É inegável que estas músicas revelam características da cultura local, como afirmação da virilidade, patriarcalismo, banalização do sexo, vulgarização da mulher, dentre outros. Ainda, é pertinente atentar que “linguagem é ideologia”, segundo o lingüista José Luiz Fiorin, e que as manifestações da língua falada ou escrita servem para difundir idéias, valores e conceitos na sociedade.
No que diz respeito à descrição da mulher em muitas dessas músicas de ‘forró’ e ‘brega’, seria menos preocupante se o Estado de Pernambuco não registrasse índices de violência tão alarmantes contra o público feminino. De acordo com o escritor Aureliano Biacarelli, em seu livro Assassinato de Mulheres em Pernambuco, nosso Estado amarga o ranking de 3° lugar onde mais se mata mulheres no Brasil.
E o que tudo isso tem a ver com as canções do início do texto? Por acaso quem comprar um cd desse gênero vai sair matando por aí? Não. A violência em questão não é fruto de um processo instantâneo. Mas é preciso lembrar que também não contribuem em absolutamente nada para acabar com a violência e promover o respeito e a igualdade entre os sexos.
Por mais que existam ações das ONG’s locais, grupo de apoio às mulheres e até mesmo a legitimidade da Lei Maria da Penha, é preciso que haja mudança de postura em vários aspectos. Se permitimos que os programas de tevê, os grupos musicais, a escola, a comunidade promovam a degradação da mulher , seja lá em que sentido for, e não fizermos nada para mudar não deveremos nos espantar com : discriminação contra a mulher no ambiente de trabalho, nos campos de futebol, na política, na ciência e, principalmente dentro de casa.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

"Espelho, espelho meu"

Não é de hoje que a beleza é pauta de discussão em várias sociedades. Desde a Grécia Antiga o culto às formas físicas sempre apareceu como característica do ser humano de estetizar as coisas a sua volta. Escultura, pintura, música, teatro e tantas outras manifestações artísticas desenvolveram-se sob o prisma do "embelezamento".
Vale lembrar que o conceito de beleza passou por vários graus de modificação no curso da história. Por exemplo, a Mona Lisa de Leonardo da Vinci atendia à idéia de beleza feminina da época: formas rechonchudas, muitos trajes, preenchimento de espaço.
Não muito longe, lembramos do saudoso Vinicius que já apregoava: "As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental". Dia desses, o excêntrico Clodovil em mais uma de suas confusões atacava a deputada petista Cida Diogo a partir do argumento que a parlamentar é "feia". O que dizer então desse padrão de beleza imposto aos meros mortais na sociedade contemporânea?
Nos dias de hoje esse 'belo' se aproxima mais da capacidade de mutação dos homens e mulheres diante de imposições de mercado. Não se destaca a capacidade do indivíduo de externar sua beleza, reconhecer-se enquanto belo e sim, alterar-se constantemente em busca de uma beleza inalcançável.
As pessoas estão cada vez mais escravizadas pelos padrões de beleza e de consumo, que instituem rédeas de adestramento nos hábitos e na aquisição pelos meros mortais. Os inibidores de apetite, os anabolizantes, a implantação de silicone e de botox tornaram-se verdadeiros passaportes para a felicidade.
Em vez de as pessoas estarem satisfeitas com a imagem perante o espelho, esse modelo de beleza atual tem levado as pessoas à depressão, à aflição e a tantos outros conflitos existenciais. Por serem temporários, esses padrões reiventam-se o tempo todo, originando cada vez mais pessoas "feias" para os padrões impostos.
As academias e as clínicas de estética tornaram-se verdadeiros templos de busca desesperada pelo corpo perfeito. Ao invés de um aliado, o temível espelho torna-se o principal vilão que denuncia as imperfeições de um corpo fora de regras do jogo do consumo. O espelho persegue, julga e, como castigo, pune suas cobaias com o ciclo da exaustão da busca do inatingível.