segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Até que a paixão nos separe

Quando flertamos ou somos flertados por alguém – que posteriormente alçamos à condição de affair- quase nunca a pessoa em questão parece ter os defeitos que realmente tem. Você entra numa ‘atmosfera cósmica’ de contemplação do Outro, tornando-se incapaz de enxergar qualquer atitude dela que mereça um cartão amarelo, muito menos um vermelho.
A gente mal conhece a criatura e, em menos de um mês já consegue apontar dezenas de qualidades que só ela tem. E nem precisa de garrafas de vinho ou de copos de cerveja para isso. Afinal, esperar sobriedade e lucidez de quem engatou uma paixão é tão provável quanto imaginar Faustão deixando o convidado falar.
É impossível escrever sobre paixão ou o sobre o ato de se apaixonar sem levar em conta as projeções que fazemos quando conhecemos alguém e o que fica no final de tudo (quando saímos do estado de hibernação que a paixão nos submete). Dizem que depois que ‘acordamos’ e deixamos de ser Belas e Belos Adormecidos é que a gente percebe quem era O(A) Outro(a), de fato.
Aí é que o ‘buraco é mais embaixo’, minha senhora. Ou não me diga que depois de passar a fase dos três primeiros meses ‘conhecendo melhor’ o(a) dito(a) cujo(a) você não se pegou querendo voltar para o Mundo Perfeito do País de Alice em 3D?
Deve ser por isso que tem gente que prefere viver uma nova paixão a cada semana. Aliás, não tem nada mais instigante que os primeiros momentos do começo de uma paixão. As ligações, o cinema, o passeio pela praia no final da tarde e os torpedos ao longo do dia são motivos suficientes para deixar qualquer um com sorriso de Rainha de Bateria em plena Marquês de Sapucaí. Embora, no fundo, seu inconsciente e a torcida do Flamengo saibam que tudo não passa de truque para impressionar e fisgar a vítima: você!
Quem não quer viver eternamente uma paixão vinda dos clássicos infantis ou da novela das oito? Esquecer que é preciso encarar do Outro o perfume forte, os roncos noturnos, o gosto por roupas em tons marrom e cinza apagados e o delírio por games dos anos 80... tudo o que não pareceu nem apareceu naqueles dias de encantamento iniciais. Nessas horas seria bom poder apelar para um manual de instruções sobre o modo de funcionamento, eventuais falhas ou prazo de garantia sobre a pessoa. Ou melhor: ponto de troca ou de devolução da mercadoria ou até mesmo um Procon, caso o produto cause algum dano às coronárias alheias.
Principalmente se você tiver que aturar da pessoa as crises de embriaguez diante do videokê embaladas pela tentativa de ‘É o amor’, de Zezé de Camargo e Luciano ou ‘Pensa em mim’,seguidas de dor de barriga e vômitos. Sem contar as doses freqüentes de mau humor, os telefonemas secos e breves e as idas ao restaurante sem um papo eloqüente nem troca de olhares e de toques. Socorro! Eu quero voltar para o começo.. e não sair de lá.

4 comentários:

Mayra disse...

Isso realmente reflete a mais pura verdade. Quem nunca pensou em desisti quando passou das "primeiras semanas" ? Mas ai é que tá. Para viver um relacionamento a la Gloria Menezes e Tarcisio Meira tem que se aprender a aceitar as diferenças. E isso é beeem complicado, mas vale a pena para viver um grande amor!

hugo disse...

Darling, adorei o novo layout. E é bem verdade tudo isso que você falo. O senhor, como sempre, com textos reveladores de nosso íntimo. Beijos!

Fred disse...

Não era nem para eu estar aqui...
Pois bem, vamos lá !
Caio é o que posso ilustrar como uma Casa grande e ao mesmo tempo a Senzala ...hora fino , hora suburbano.
Mas sempre bem colocado em seus pensamentos e experiências.
Parabéns!
sucesso ...

Flávio Pereira disse...

É incrível como passamos pelas mesmas situações com desconhecidos(as), mas mesmo assim desejamos ao máximo manter aquela sensação de viagem ao mundo do(a) outro(a).
A nossa mente, o nosso sentimento, são questões difíceis de serem resolvidas. Quem nunca pediu para que um namorado voltasse a ser como no início?